"Pudiar repudiar tripudiar
Aloísio Nunes
No dia 25 de setembro, início da primavera, recebi, anexado a um e-mail da professora Andréia Moreira, vice coordenadora do curso de comunicação social da ufal, onde dou aulas, um link para o blog do diretório central dos estudantes (DCE) que trazia uma nota de repúdio a um professor do COS (curso de comunicação), no caso, eu, Aloísio Nunes. A professora Andréia estava indignada. A nota de repúdio tratava de algumas opiniões por mim proferidas em sala de aula. Opiniões que discutirei um pouco aqui. De todas as coisas que aparecia na nota de repúdio uma me entristeceu: de que eu estaria forçando os meus alunos a comprarem meu livro "Teorias da comunicação: um panorama crítico e comparativo" (Edufal) por vinte reais. Esse livro é fruto do meu doutorado. Sempre passei, como tarefa, valendo a primeira nota do semestre, que os alunos tirassem uma cópia do meu doutorado e fizessem o trabalho que eu pedia. Eles gastavam aproximadamente vinte reais com as cópias. Depois que publiquei o livro, vendo o livro por vinte reais. Penso que quando termino de vender todos, tiro o que investi para publicá-lo. Não obrigo ninguém a comprá-lo. Só exijo o trabalho.
No outro dia, 26 de setembro, recebi um telefonema de uma ex-aluna que se solidarizava comigo. Na universidade fui beijado, abraçado, pegaram na minha barba branca, passaram a mão na minha cabeça, me tiraram para dançar. Fiquei emocionado, uma qualidade de sentimento tomou conta do meu coração. É por isso que gosto de estar em sala de aula, junto com meus alunos, respeitando-os e os tirando para dançar. Á eles, meus agradecimentos.
No dicionário não encontrei o significado do verbo pudiar. Se coloco o prefixo re, o verbo passa a ser repudiar, que significa separação, divórcio. Se coloco o prefixo tri, o verbo fica tripudiar, que significa dançar. Se eu me separo da minha mulher isso vai significar que não mais trançarei com ela meus pés. Se eu danço com minha mulher isso significa que nossos pés acertarão os passos. Dois prá lá dois prá cá. Talvez pudiar tenha alguma coisa a ver com os pés. Vamos caminhar juntos. A turma de teoria da comunicação II, noturno, que passou detalhes do debate em sala de aula para a garota que escreveu o texto e eu.. Aliás, diante da repercussão, ela me procurou para se desculpar. Uma criaturinha linda, sensível, cheia de senso de justiça, que parecia me seguir, visto que em toda classe em que eu estava dando aula, ela aparecia para convidar os colegas à luta. Uma jovem de luta. Uma jovem que quer ir para o choque, para o confronto, para a luta. Mas que tem a graça de saber autocrítica, de considerar o erro e saber de errâncias. Portanto uma jovem em processo de crescimento, de desenvolvimento, capaz de fazer relação entre uma qualidade de sentimento e um confronto.
Em sala de aula discuti com meus alunos algumas frases polêmicas, propositadamente polêmicas, como se estivesse fazendo uma provocação. Provocação significa " ser a favor de uma vocação, ação que traduza a própria voz". Voz própria é uma coisa difícil. A nossa voz, nossa fala, tem algo do nosso pai, da nossa mãe, dos nossos irmãos, dos nossos professores, dos padres e pastores de nossas igrejas, de nossos colegas de diretório acadêmico. Enfim é impossível uma voz própria. A discussão em sala de aula que aparece na nota de repúdio destaca três frases:
1 .Só dá testemunho quem tem testículos. Olhando para as duas palavras vemos teste/testi. Indo ao Aurélio vemos que ele quando define testemunho , lá no finalzinho, coloca a palavra testículo. É que ouve uma época em que a mulher não merecia crédito no seu testemunho. Apenas o homem era considerado para testemunhar. Ele tinha que colocar a mão em cima do testículo direito e jurar dizer a verdade não mais do que a verdade. Depois se passou a usar a bíblia. Hoje não sei como é. Já que estamos falando em bíblia, a igreja católica, sabendo desse conceito, não aceita que mulher se torne padre. Só homem pode ser pai, padre, papa. Tudo isso foi discutido.
2. Debatemos também o fato de que a mulher que estuda ganhar uma carne dura, masculinizada. Uma idéia que encontramos em Mcluhan. Por isso, por muito tempo os pais não quiseram que suas filhas fossem para a escola. Não tem nada a ver com aquela história de que os pais não queriam que as filhas fossem para escola para não aprenderem a escrever carta para o namorado. Penso que o buraco é mais embaixo. Aprender a escrever exige muito do corpo de uma pessoa. Aprender a ler exige muito do corpo de uma pessoa. A primeira coisa que o ato de ler exige é que tapemos o ouvido. Que é um buraco. Quando estamos lendo não queremos que nada nos atrapalhe. Qualquer barulho que chegue a nossos ouvidos acaba por nos atrapalhar. Aí perdemos a concentração no que estamos lendo. Quando a leitura é de um livro de pensamento intrincado, difícil, tipo "Crítica da razão pura" de Kant, sem sombra de dúvida, qualquer um precisa de um grau máximo de concentração. Nada pode entrar pelo buraco do ouvido. Você ler uma frase uma vez, não entendeu. Redobra a atenção, ler de novo. Não entendeu. Aumenta o grau de concentração. Esquece o buraco do ouvido. O olho é ai o órgão super exigido. Um olho é para fora, é pontiagudo, ele vai lá aos tipos móveis, na fonte gráfica. Então, quando passamos de uma cultura oral, que usa muito o ouvido, para uma cultura da escrita, que usa muito olho, e mais ainda quando passamos para uma cultura tipográfica, o nosso corpo ganha outra dinâmica.. Nesse sentido debatemos também em sala de aula a simbologia dos sonhos em Freud. Freud diz que sonhar com buraco é sonhar com a genitália feminina. E sonhar com coisas pontiagudas é sonhar com a genitália masculina. Sonhar com ouvido significa sonhar com o órgão sexual feminino. . Portanto, ao ler, utilizamos mais o olho, para fora, pontiagudo, e assim mais nos masculinizamos. Ao ler tapamos o ouvido, deixamos de nos feminilizar. Seguindo esse raciocínio, discutimos que, o melhor lugar para a mulher é o de ouvinte. É próprio da mulher, ouvir. É próprio do homem, falar. Estou dizendo que é a melhor posição. Há outras. Essa, no entanto, é a melhor. Ser receptiva, disponível, aberta. Qualidades simplesmente extraordinárias. São qualidades propriamente femininas, mas extraordinárias em qualquer pessoa. Debatemos também umas idéias levantadas por Edgar Morin, no excelente livro, "O enigma do homem", onde ele diz que o testículo é uma vagina que cicatrizou. O pênis fica para fora. O clitóris pontiagudo, interno. A boca, um buraco; dentro dela, a língua, pontiaguda. Como todos sabemos Edgar Morin é o pensador da complexidade. Penso que esta idéia torna a nossa sexualidade mais complexa.
3. Uma outra frase que discutimos em sala de aula: "Quem pega na mão pega no resto". Essa frase li em uma entrevista na revista Playboy há alguns anos atrás. Aí eu contei uma história da minha família. Um dia meu pai chegou em casa e encontrou uma das minhas irmãs de mãos dadas com o namorado. Meu pai não teve dúvida. Expulsou o rapaz de casa e disse "só volte aqui para se casar". O rapaz saiu ligeirinho, morrendo de medo. Depois voltou, casou e vão fazer cinqüenta anos de casados. Com certeza meu pai conhecia esse ditado. O toque consentido, acordado, entre parceiros que se amam só faz melhorar a relação. Por todo corpo faz bem. Nas zonas erógenas é excelente. O toque sem consentimento, sem ser negociado, entre pessoas que não se amam, machuca, fere.. Faz mal.
Gostei da "re-tratação". Não muito, mas muito.
E ai DCE, vamos sair para tripudiar? Para balançar o chão da praça?
Bem, penso que é isso.